Áreas Protegidas<br>– Defender o papel do Estado

Vladimiro Vale

O Homem vive da Na­tu­reza, isto é, a na­tu­reza é o seu corpo e com ela tem que manter um diá­logo con­tínuo se não quiser morrer. Dizer que a vida do Homem está li­gada à Na­tu­reza sig­ni­fica que a Na­tu­reza está li­gada a ela pró­pria, pois o Homem é parte da Na­tu­reza.

K. Marx Ma­nus­critos Eco­nó­mico Fi­lo­só­ficos de 1844.

Existem con­cep­ções que partem do equí­voco de que o Homem está fora da Na­tu­reza, apontam para um con­flito entre an­tro­po­cen­trismo e eco­cen­trismo, es­que­cendo que o Homem é parte da Na­tu­reza e com ela tem um me­ta­bo­lismo com­plexo de in­ter­câmbio de «co­e­vo­lução». Existe até quem olhe para o des­po­vo­a­mento hu­mano de grandes áreas do País como po­si­tivo para a pro­tecção do am­bi­ente.
Con­cep­ções como estas ajudam a ex­plicar as po­lí­ticas dos su­ces­sivos go­vernos, re­flec­tida nos Re­gu­la­mentos e Planos de Or­de­na­mento das áreas pro­te­gidas, em que as po­pu­la­ções são apre­sen­tadas como prin­ci­pais res­pon­sá­veis pela de­gra­dação dos re­cursos, con­du­zindo a uma linha de proi­bição da ac­ti­vi­dade hu­mana dentro das áreas pro­te­gidas. Por­tanto, os planos das áreas pro­te­gidas são, muitas vezes, meros con­juntos de proi­bi­ções, sem visão de de­sen­vol­vi­mento e sem a pre­o­cu­pação de trazer van­ta­gens para as po­pu­la­ções. O ataque co­meça in­va­ri­a­vel­mente às ac­ti­vi­dades po­pu­lares e tra­di­ci­o­nais e não aos grandes em­pre­en­di­mentos, mesmo que estes te­nham re­co­nhe­cidos e pro­fundos im­pactos am­bi­en­tais.
Po­lí­ticas de gestão das áreas pro­te­gidas com o ob­jec­tivo de im­pedir a de­gra­dação de muitos desses es­paços, va­lo­rizá-los em con­junto com as po­pu­la­ções lo­cais que as mol­daram com tra­balho árduo desde tempos an­ces­trais e que são a mais só­lida ga­rantia para o seu fu­turo de­sen­vol­vi­mento sus­ten­tado, são in­com­pa­tí­veis com a falta de in­ves­ti­mento pú­blico e com a de­gra­dação da ca­pa­ci­dade de res­posta das es­tru­turas do Es­tado. Isto é tanto mais grave quando se trata de ter­ri­tó­rios a braços com in­qui­e­tantes pro­cessos de des­po­vo­a­mento, de aban­dono e de­clínio so­cial, de en­cer­ra­mento de ser­viços pú­blicos de pro­xi­mi­dade e das ac­ti­vi­dades eco­nó­micas em re­sul­tado das po­lí­ticas de aban­dono dos es­paços ru­rais e sec­tores pro­du­tivos que lhe dão vida.
A des­res­pon­sa­bi­li­zação do Es­tado cen­tral através da en­trega da gestão das áreas pro­te­gidas a au­tar­quias vem numa linha de quebra de in­ves­ti­mento e de meios ma­te­riais e hu­manos es­sen­ciais para a de­fesa das zonas eco­lo­gi­ca­mente sen­sí­veis e das áreas pro­te­gidas, di­fi­cul­tando a de­fesa do equi­lí­brio da na­tu­reza e também o com­bate à de­ser­ti­fi­cação e ao des­po­vo­a­mento de enormes áreas do País. Os su­ces­sivos go­vernos pri­meiro cri­aram as super-áreas pro­te­gidas, os super-di­rec­tores, a ex­clusão do Poder Local, a pri­va­ti­zação e a mer­can­ti­li­zação da gestão ter­ri­to­rial, agra­vando os pro­blemas das Áreas Pro­te­gidas. O ac­tual Go­verno PS, com a jus­ti­fi­cação da de­gra­dação da res­posta das es­tru­turas do Es­tado afec­tadas por estas po­lí­ticas, pro­cura des­res­pon­sa­bi­lizar o Es­tado pas­sando a gestão para as au­tar­quias. A mu­ni­ci­pa­li­zação da gestão das áreas Pro­te­gidas vai trans­ferir para as au­tar­quias uma res­pon­sa­bi­li­dade que elas não podem nem devem as­sumir e co­lo­cará em causa a adopção de po­lí­ticas uni­fi­ca­doras em torno das áreas pro­te­gidas. Sendo im­por­tante o en­vol­vi­mento das au­tar­quias e eleitos lo­cais, só a sal­va­guarda do papel do Es­tado Cen­tral nas áreas pro­te­gidas ga­ran­tirá que a uti­li­zação dos re­cursos na­tu­rais seja feita ao ser­viço do País e do povo e não ao ser­viço apenas de al­guns.
É por isso fun­da­mental uma po­lí­tica de de­fesa do equi­lí­brio da na­tu­reza que va­lo­rize a pre­sença hu­mana no ter­ri­tório e que tenha em conta a so­li­da­ri­e­dade na­ci­onal para col­matar as im­po­si­ções e li­mi­ta­ções com que se con­frontam os ha­bi­tantes das áreas pro­te­gidas, no­me­a­da­mente através de in­ves­ti­mento pú­blico, gestão pú­blica das áreas pro­te­gidas e o re­forço de meios ma­te­riais e hu­manos do ICNF com a sal­va­guarda dos di­reitos dos seus tra­ba­lha­dores.




Mais artigos de: Argumentos

Notícias do País vazio

Sob o título já significativo de «Despovoamento», a RTP1 transmitiu na passada segunda-feira, a partir de Vila Real, um programa que teve como tema a desertificação que desde há décadas tem vindo a reduzir larguíssimas áreas do interior português a...

A arte de anotar os dias

Eupara aqui esquecido no século XXenviado especial do Pesadelo a mim mesmo,sozinhovigilantevejam:Testemunha de olhos secos José Gomes Ferreira, é, seguramente, um dos nomes cimeiros da lírica portuguesa do século XX, um exímio manipulador de...